
Se
o mundo do vinho tivesse uma bandeira, teria de ser vermelha, branca e rosa.
Afinal, a cor de um vinho é algo com que todos podemos concordar. Não é?
Bem,
ele nunca é realmente branco. O Chablis costuma ser descrito como verde-limão
enquanto o Sauternes é dourado; o vinho tinto vai do roxo brilhante dos Malbecs
argentinos jovens à cor granada desbotada do Pinot Noir clássico; ele nunca é
chamado simplesmente de vermelho. Mesmo o rosé tem 21 tons diferentes, segundo
uma pesquisa da Provença.
A
cor acaba sendo tão contraditória e discutível quanto quaisquer outros fatores
do vinho, causando um grande impacto sobre as expectativas, a vinificação e,
talvez o mais importante, a percepção gustativa do degustador.

A
primeira impressão causada por um vinho vem de sua cor, e daí a importância do
uso de taças transparentes. Em seu livro Wine
Science, o Dr. Jamie Goode discute o "fenômeno da pré-atenção",
segundo o qual fazemos suposições subconscientes automáticas sobre o gosto de
alguma coisa com base em sua aparência.
Vinhos
tintos fechados evocam naturalmente uma expectativa de sabor concentrado, e
talvez de tanino e álcool elevados. Goode cita um especialista em cores, o
Prof. Charles Spence da Universidade de Oxford, que explica que "a cor
vermelha normalmente representa o amadurecimento dos frutos na natureza",
e daí a associação natural entre a cor mais profunda e o sabor mais intenso.
Mas
muitos vinhos tintos podem desafiar essas expectativas. O Beaujolais Nouveau,
por exemplo, costuma ser roxo brilhante, mas com corpo e taninos muito leves. O
olho também pode pregar peças no palato. Em um experimento de 2001 realizado
pelo vinicultor, consultor de vinhos e professor de enologia de Bordeaux Denis
Dubourdieu, os provadores usaram expressões como cereja, ameixa e chocolate depois de degustarem um vinho branco
que tinha sido tingido de vermelho com antocianinas insípidas.

No
caso dos vinhos brancos, os de cor mais dourada sugerem inevitavelmente algo
peculiar sobre seu sabor – geralmente, doçura, contato com as cascas, uso de
carvalho, ou mesmo todos os três. A moda recente de brancos fermentados com as
cascas deu origem a um gênero chamado de vinho laranja, imediatamente
reconhecível por sua sensação tânica palpável, perfil de sabor habitualmente
oxidativo e, é claro, sua cor laranja. De um modo geral, no entanto, a maioria
dos brancos varia muito menos do que os vinhos tintos ou rosados.

A
influência do enólogo
Até
ao momento, vimos que o tema é complicado - mas existe pelo menos uma certeza:
qualquer que seja a cor do vinho, a presença do castanho ou do marrom é um
indicador infalível de oxidação, sendo, portanto, um importante sinal de
maturação - deliberada e intencional ou não, como os devotos dos Borgonha
brancos sabem muito bem.
Sabendo
como a cor influencia nossa percepção do vinho, não é de admirar que haja
muitas pesquisas sobre o tema - e, consequentemente, milhares de opções para o
produtor. A manipulação de vinho não é nova: os enólogos sempre usaram
misturas, aquecimento e outros processos na cantina para alterar o estilo de um
vinho. Alguns destes processos afetam a cor de vinho propositalmente, enquanto
outros fazem-no por coincidência. Nesta última categoria, acham-se a acidez
(mais especificamente o pH), a manipulação e a maceração.

O
ajuste de acidez é comum no mundo do vinho, mas é mais provável ser feito para
se obter estabilidade microbiológica e equilíbrio do sabor do que pela cor: um
pH inferior cria um vermelho mais brilhante.
Da mesma forma, os méritos da
manipulação oxidativa versus redutora estão principalmente voltados para o
sabor e os taninos, embora acabem afetando inevitavelmente a cor. A maceração
dos tintos – com remontagens, pigeage e assim por diante - é praticada para
extrair sabor e taninos, sendo a cor um elemento importante, se não o
principal.
A
temperatura de fermentação é outro fator a se considerar. Inevitavelmente, as
temperaturas mais elevadas ajudam na extração de cor das cascas de uvas
escuras.

Como um exemplo extremo, é possível usar a termovinificação: o Iain
Munson, do Languedoc, diz que 30 minutos a 65 ºC extrai quase tanto a cor
quanto a maceração clássica de três semanas.
No
entanto, de todas as ações deliberadas tomadas para influenciar a cor, a
mistura está "em primeiro lugar", de acordo com Munson. "Aqui no
Languedoc, é sempre bom ter um tanque ou dois de Alicante Bouschet. Mesmo 10%
dela em um vinho com pouca cor faz um mundo de diferença", diz ele,
acrescentando: "Há rumores de que se você viajar pela Borgonha durante o
outono, pode ver algumas fileiras com folhas vermelhas brilhantes - a Alicante
entre as Pinot Noir!"
A
Alicante Bouschet é uma variedade tintureira – cuja polpa e casca são vermelhas
– e é um ingrediente muito usado para dar a cor a uma mistura final. Muito mais
controversa é a utilização de Mega Purple. Este concentrado de uva fortemente
processado é feito a partir da híbrida Rubired, e uma pequena quantidade pode
alterar radicalmente a cor de um vinho (bem como sua sensação na boca e
doçura). Geralmente, é usado com discrição, mas há rumores de que é um
ingrediente importante de muitos vinhos tintos mais baratos de sua Califórnia
natal.

Cor por números
Técnicas
alternativas que ajudam a atingir o mesmo fim são menos reservadas, embora não
menos controversas. A adição de enzimas, pó de carvalho e taninos buscam
influenciar a cor dos vinhos. Gavin Monery, enólogo da London Cru, explica:
"Volta e meia, as operações comerciais usam as enzimas para auxiliar a
extração de cor e adicionar tanino para estabilizar essa cor (mediante a
formação de taninos pigmentados). O pó de carvalho durante a fermentação
primária também ajuda".
A
maioria destas técnicas aplica-se especificamente aos vinhos tintos, mas a cor
dos brancos e rosés também pode ser controlada na adega. Monery menciona a
caseína para combater o escurecimento em vinhos brancos, e o uso de carvão
ativado para tirar a cor dos rosés, ajustando-a à atual preferência do mercado.

Ken
Mackay MW, gerente de compra de vinhos da Waitrose, explica: "A moda é de
tons mais rosados - não muito laranja e não muito escuros", acrescentando
que "isto é particularmente importante para os vinhos rosés em garrafas
claras, onde a aparência do líquido pode realmente ajudar a vender o
vinho". O consultor e enólogo Nayan Gowda lembra um cliente que
chegou a presenteá-lo com uma cartela de cores Dulux para especificar o tom
certo de rosa. Com tamanho imperativo para se obter uma tonalidade exata,
Munson sugere que alguns produtores podem adicionar pequenas quantidades de
vinho tinto num rosé pálido, a fim de obter exatamente a cor "certa"
– mesmo que isso seja estritamente contrário aos regulamentos da UE em qualquer
lugar fora de Champagne.

Mackay
observa que as tendências atuais parecem favorecer os brancos mais pálidos e
tintos de cor mais profunda, e Munson observa que "o mercado chinês
equivale a cor mais escura a uma melhor qualidade". No entanto, Gowda acha
que a França, a Austrália e os EUA não estão muito preocupados com densidade de
cor. Mas isso vem junto com a tendência no sentido de vinhos mais leves, menos
extraídos, que o mercado atualmente parece preferir".
Há
apenas uma coisa que pode compensar completamente a influência da cor na sua
avaliação de um vinho: quando ele é degustado sem que se veja sua cor. Muitos
experimentos têm tentado investigar que diferença isso pode fazer.
Sentido
e percepção
Usar
óculos escuros é uma manobra favorita em algumas competições. No final do
concurso de Sommelier do Ano de 2012 no Reino Unido, Jan Konetzki do
restaurante de Gordon Ramsay tinha que provar seis bebidas (não só vinhos) em
taças escuras e agrupá-los por ingredientes em comum. "É complicado,
porque você perde o senso de confiança, mas, ao mesmo tempo, reforça seu olfato
e paladar", explica Konetzki, que ganhou a competição.
O
Mestre Sommelier Xavier Rousset, dos restaurantes londrinos 28-50° e Texture,
concorda que os óculos escuros fazem com que a prova seja extremamente difícil.
"Eu nunca tinha confundido vinho tinto com branco, mas já vi isso feito e
posso me imaginar fazendo isso. É especialmente difícil distinguir Champagne
branco do rosé".

Esta
idéia foi levada ainda mais longe em um estudo de 2009 do Journal Of Sensory Sciences,
onde foram utilizados óculos escuros e cores alteradas na luz ambiente da sala
de degustação. Os resultados sugerem que um Riesling seco seria considerado de
melhor qualidade quando provado sob luz vermelha ou azul do que sob luz verde
ou branca.
Habitualmente,
a cor recebe a mais breve consideração quando se degustam vinhos, com muito
mais ênfase nos aromas, nos sabores e na estrutura no palato. No entanto, a
pesquisa mostrou que a cor pode influenciar muito nossa percepção do vinho.
Como uma extensão lógica desta, quando se oculta a cor de um vinho, torna-se
muito mais difícil avaliá-lo.
Embora
aroma, sabor e qualidade sejam questões eternamente discutíveis, talvez a cor
seja a única faceta do vinho que não é subjetiva. Ela varia do marrom ao roxo,
do limão ao âmbar, do salmão ao rosa, com cada nuance no meio. Essa diversidade
de cores pode revelar um monte de verdades sobre um vinho, o que significa que
é uma parte vital não só da ciência e da compreensão de vinho como também de
sua experiência.
Artigo publicado originalmente no site da revista Decanter. Para ler o original clique AQUI